Mulheres negras encontram em suas vestimentas um escudo contra o preconceito racial. Essa é uma das conclusões tiradas por uma pesquisa que acaba de ser divulgada pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo o trabalho, algumas mulheres afrodescendentes encontram nas roupas uma couraça de proteção e resistência. A pesquisa foi realizada pela educadora Kiusam Regina de Oliveira para conclusão de seu trabalho de mestrado.
Kiusam entrou em contato com doze mulheres afrodescendentes que lecionaram na década de 50 e registrou a trajetória de vida de duas professoras e constatou que tanto as entrevistadas, como as demais mulheres com quem tomou contato para realizar o seu trabalho, costuravam e produziam roupas que "encobriam" um corpo afrodescendente.
"Elas relatam com uma precisão de detalhes as roupas que utilizavam na época e que chamavam a atenção, de maneira positiva, das pessoas com que elas conviviam. Trata-se de uma dialética de resistência", explica Kiusam.
Sabe-se que as mulheres negras enfrentam uma tripla discriminação: de gênero, raça e econômica. No entanto, há poucos registros, em especial históricos que esclareçam os efeitos psicológicos causados por essa violência - esse foi o objeto de estudo da pesquisadora.
O trabalho de mestrado, "Duas Histórias de Autodeterminação: a construção da identidade de professoras afrodescendentes", aponta ainda que as mulheres estudadas vivem sob um constante processo de construção, desconstrução e reconstrução da identidade em função da aceitação no meio em que estão.
"É na escola que os afrodescendentes descobrem a cor como algo negativo. A partir daí se inicia o processo de desconstrução do aprendizado familiar e as alternâncias do estado da auto-estima", diz Kiusam.
Desde os sete anos, as duas entrevistadas precisaram "implorar", segundo Kiusam, por vagas nas escolas. Uma delas foi inserida na sala de aula como aluna ouvinte(não podia escrever, falar e ficava segregada do restante da turma). A segunda entrevistada apanhou de uma professora por ser "preta e pobre".
Estratégias - Quando se tornaram professoras a situação não melhorou: os colegas de trabalho não lhes dirigiam a palavra, elas se sentiam invasoras do espaço dos brancos e, muitas vezes, se submetiam a situações humilhantes. O problema, segundo a pesquisadora, é que, aos poucos, as professoras assumiam um processo de "cauterização das experiências" - não reagiam às agressões e agiam como se fossem culpadas.
Em muitos casos, o silêncio era a única forma encontrada para o preconceito. Uma das professoras entrevistadas foi mandada embora porque uma professora se recusou a dormir no mesmo ambiente que uma negra "fedida e que causava alergia". O argumento foi aceito sem contestação.
Kiusam afirma ainda que é necessário ampliar o debate sobre qualidade de vida e as questões psicológicas dos afrodescendentes e racismo e cita como exemplo o fato de atualmente essa comunidade estar fixada principalmente na periferia. Segundo ela, muitos professores têm dificuldades em lidar com crianças negras pelos mais diferentes motivos, inclusive por preconceito.
"Ao ampliar o debate sobre o tema e discutir racismo não apenas nas escolas, mas em várias áreas sociais, temos a possibilidade de encarar nossas dificuldades e esse é o primeiro passo para superarmos preconceitos", finaliza.
( por: Raquel Souza)
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